Há vários chavões e argumentos usuais que são utilizados para enaltecer a prática de artes marciais, colocando o Jiu- jitsu no topo da lista, dizendo que ele promove o hábito da disciplina, faz com que o praticante se acostume a respeitar os mais velhos, cumpra mais facilmente as regras e tenha mais confiança em si mesmo. Tudo isso é verdade, mas há alguns outros detalhes que são passados por cima, não são muito abordados, talvez porque sejam considerados meras decorrências daqueles argumentos básicos.
Todo mundo sabe que o Jiu-jitsu deixa o lutador mais forte, mais ágil, bom de briga e super auto-confiante. Verdade. Não é à toa que os lutadores de Jiu-jitsu são considerados “os homens invencíveis no chão”, eles o são mesmo! Mas na vida real, no dia-a-dia, eles vão paulatinamente se tornando mais calmos ante diversas vicissitudes, não se desesperam facilmente, mantendo a cabeça fria para procurar e achar uma solução adequada ou mais adequada para o problema que se apresentou e que o lutador precisa resolver.
Por outro lado, o respeito aos mestres e aos mais idosos vai transformando-se em mero respeito, que vai se ramificando em respeito a todos e a tudo: tanto às pessoas, sejam elas superiores ou inferiores socialmente, intelectualmente, fisicamente ou “dinheiramente” ao lutador em pauta; paralelamente, este respeito se estende a animais, plantas e outras coisas, sejam elas objetos inanimados ou mesmo idéias, invenções ou pontos de vista. Destarte, um lutador de Jiu-jitsu consciente e dedicado começa a aceitar mais condescendentemente as coisas e pessoas como realmente elas são. Um lutador de Jiu-jitsu certamente vai respeitar as leis, sejam elas justas ou não; mas seu senso crítico aprendido no tatame vai lhe mostrar se essa lei é injusta, e, se de fato o for, seu espírito de luta – também aprendido no tatame – vai dizer-lhe como combatê-la dentro da legalidade. Afinal, o tatame o fez acostumar-se a seguir as regras.
Durante uma luta de Jiu-jitsu, muitas vezes o lutador tem de arriscar algo para conseguir uma posição mais favorável; isto faz com que ele se aprimore na avaliação de riscos que se apresentam no seu cotidiano, tornando-o uma pessoa mais ponderada.
Quando um lutador não tem mais saída, está na iminência de ter um braço ou o pescoço quebrado, ele bate. Bater significa dar uns tapinhas no corpo do adversário demonstrando reconhecer que perdeu a luta. Ninguém pode fingir que bateu; se bateu, tem que ser de verdade. Um lutador que bate escondido, sem que o juiz perceba, para que seu adversário o solte e de repente ele continua a lutar – como se nada houvesse acontecido – é um safado, desonesto e não merece nossa consideração. No caso de um lutador honesto, ele sabe quando deve bater, e isto vai se refletir na sua vida pessoal. É simples este mecanismo: na luta, ele adquire total conhecimento de suas limitações; na vida real ele sabe realmente o quanto consegue agüentar e até onde suas capacidades – sejam elas físicas, emocionais ou mesmo financeiras – vão funcionar antes de se exaurir.
Quem já assistiu a uma luta de Jiu-jitsu constatou que quando um lutador aperta o pescoço de seu oponente ou quando torce o seu braço, o faz pra valer, é “pra matar” mesmo. Mas quando a luta acaba não há ressentimento algum, não há raiva ou qualquer outro sentimento negativo. Ele até pode dizer que, na próxima, vai arrancar a cabeça do amigo, mas vão juntos tomar uma cerveja estupidamente gelada e paquerar umas gurias bonitas. Os dois conseguem, em suas trajetórias individuais, digerir satisfatoriamente as provocações e insultos que alguém porventura (ou por desventura) lhes dirija. Por serem construtivamente mais críticos e auto críticos, assimilam e compreendem as limitações e defeitos de outrem. Eles, os lutadores de Jiu-jitsu, não precisam agredir um desafeto para provar sua superioridade; não precisam provar nada, pois seu conhecimento próprio há muito lhes deu e lhes mostrou sua superioridade. Não precisam vencer quem os insultou, apenas saber que fatalmente iriam vencer. Este é mais um motivo que os faz tornarem-se mais coerentes e controlados.
Eu poderia ficar aqui escrevendo o dia inteiro, apresentando outros e outros porquês da alternativa de lutar ou não lutar Jiu-jitsu, mas acho que já demonstrei minha posição e enfoque sobre o tema. É isso aí, galera, estamos esperando por vocês em cima do tatame.
por mestre Paulo Pirondi
Faixa Coral 8º grau de Jiu-jitsu.
Deixar um comentário