Todo mundo sabe que Mitsuyo Maeda, o Conde Koma, radicou-se no norte do Brasil por volta de 1913 e ensinou jiu-jitsu para diversas pessoas, dentre as quais posso citar Carlos Gracie, Luiz França e Aluizio de Melo. Os Arataba são descendentes de Aluizio.
Nascido na Paraíba em 1893, Aluizio morreu em Porto Alegre em 1975 aos 82 anos de idade. Apesar do nome pomposo – Aluizio Nogueira Bandeira de Melo – ele tinha um apelido. Ele é conhecido no sul do país como Professor Loanzi. Em seus escritos, Luiz Escandiel (1999) referindo-se ao Judô, diz que “o apelido deve-se a uma pomada para dores musculares que terminava com o termo ‘loanzi’ usada por Aluizio repetidamente”. Mas acontece que muito antes disso, na época de meu pai, ele era chamado de Barão de Loanza, e foi assim que eu o conheci em meados da década de 40. A propósito: a pomada que ele usava era o Linimento de Sloan. No Rio Grande do Sul ele é chamado de Professor Loanzi, mas eu sempre me refiro a ele como Loanza ou Barão de Loanza.
Meu pai nasceu em 1915, mas não sei com que idade nem em que ano ele começou a aprender com Loanza. Sei que minha mãe também conhecia o Loanza, tanto que ela deu entrevista sobre ele a Moisés Muradi, mas não posso precisar desde quando teve contato com o Professor, pois ela e meu pai se conheciam desde crianças pequenas. Papai treinou Jiu-jitsu com Loanza no Rio, numa época em que ele não estava no Rio Grande do Sul. Aqui entra outra informação de Luiz Escandiel, segundo a qual Loanza participou em 1935 das festas de 100 anos da Revolução Farroupilha e foi embora, voltando a Porto Alegre apenas no começo da década de 50, estabelecendo-se no Esporte Clube Cruzeiro, na Rua dos Andradas. É óbvio que meu pai treinou com Loanza neste lapso de tempo, porque quando nasci em 1941, Papai já era faixa preta.
Franchini e Dorneles (2005) escrevem que Jiu-jitsu e Judô eram termos usados indistintamente no início do século XX, e é por isso que as duas Artes Marciais têm muito em comum em seus primórdios aqui no Brasil. Por exemplo: as origens do Jiu-jitsu e do Judô no Rio Grande do Sul, mais especificamente em Porto Alegre, se confundem. E se confundem justamente por causa de Loanza. Muitos judokas o citam em suas crônicas, o que vem elucidar e corroborar detalhes das nossas próprias origens. Cleto Alves Mendes – grande judoka – tinha Loanza como padrinho de casamento, conhecia-o bem, e nos conta que ele era presidente da Federação Gaúcha de Pugilismo. Isso nos faz lembrar do próprio Jiu-jitsu paulista, que também fazia parte da Federação de Pugilismo daqui de São Paulo. Luiz Alcides Maduro – outro judoka ilustre – confirma essa assertiva, completando que Loanza foi também presidente da Federação de Judô fundada em 1969. Mas dessas coisas eu próprio nem me inteirei, pois havia recebido faixa preta no final de 1959, já residia em Sampa desde 1960 e me dedicava a ministrar aulas na Academia Alpha em 1961. Nem me passava pela cabeça o que estaria acontecendo em Porto Alegre dez anos depois.
Mesmo sendo presidente de federações alheias à sua Arte Suave, Loanza era realmente um professor apenas de Jiu-jitsu, como se pode constatar pelas declarações de outro judoka ilustre: Ricardo Rodrigues Gaston concedeu um depoimento em 2 de Dezembro de 2002 ao Centro da Memória do Esporte, Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no qual afirma que “…o forte de Loanza era Jiu-jitsu, o negócio dele era chão… em pé não fazia nada…”. É difícil entender como pode um baixinho com pouco mais de um metro e meio de altura, professor de Jiu-jitsu e forte como Hemetério, tornar-se presidente de duas federações diferentes, uma de Boxe e outra de Judô! Acho que era seu carisma, pois isso ele tinha de sobra.
Outro detalhe que merece ser bem esclarecido é o lugar onde eu pratiquei Jiu-jitsu em Porto Alegre, depois de ter aprendido com meu pai no Rio por oito anos seguidos. Como vimos acima, Loanza voltou a Porto Alegre no começo dos anos 50. Eu mesmo cheguei lá em 1954; Papai reencontrou-o nesse ano e me colocou para treinar com ele. Era no Clube Cruzeiro, na Rua da Praia, que não tem praia e se chama oficialmente Rua dos Andradas. Foi só depois que o dojô mudou para o Ruy Barbosa.
De 1959 até hoje, a história é bem mais clara. A arte de Maeda continuou através de mim durante algum tempo na Academia Alpha a partir de 1961; depois, ensinei por mais alguns anos no Clube da Willys Overland; quando saí da Willys, continuei numa pequena academia no bairro do Rio Pequeno, pertencente ao meu amigo Waldir Dantas, que ensinava Luta Livre. Em 1989 eu convalescia de uma cirurgia de pontes de safena, dando aulas apenas para crianças na pré-escola da minha família, e em 1990 já estava fundada a Arataba.
Nossa genealogia é interessante, porque somos muito próximos da origem criada por Mitsuyo Maeda: Loanza é de primeira geração; meu pai é de segunda; eu, mesmo tendo sido aluno de meu pai, também sou segunda geração de Koma, pois aprendi com Loanza; e Jefferson, meu aluno faixa preta 4º. grau é de terceira geração, mesmo tendo apenas 33 anos de idade. Poucas academias podem orgulhar-se de possuir descendentes tão próximos do Conde Koma. Mas o que interessa mesmo não é a geração de qualquer lutador, que pode ser quinta, sétima ou décima… O que interessa mesmo é a dedicação, a pesquisa, o aprendizado e o amor que todos nós temos pelo Jiu-jitsu.
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