O Jiu-jitsu não persegue, apenas, um ideal de defesa pessoal ou o ouro nas competições. Muito mais que isso, engloba um conjunto de conhecimentos que transportam o Budo, essa quintessência das artes marciais do oriente.
Ao apresentar-se, o principiante busca, normalmente, aprender as técnicas que lhe permitam defender-se eficientemente de eventuais agressões físicas. Mas também, muito normalmente, ele perde o auto-controle se for agredido moralmente. Já o iniciado, o graduado, deverá perseguir o Budo desenvolvendo um equilíbrio entre a sua parte física e a mental, buscando atingir um profundo auto-conhecimento. À medida que o iniciado progride na escala hierárquica, deverá, cada vez mais, dominar-se a si mesmo, da mesma forma que pode dominar seus adversários; deverá, cada vez mais, concentrar-se no desenvolvimento de sua harmonia interior e na sua interação e integração com o Universo.
Todo aquele que atingir o nível de Sensei ou Shi-han julgando-se invencível ou superior, não tendo desenvolvido um excelente autocontrole psicossomático, nem tendo conhecido as verdadeiras essências da Arte da Suavidade e da Suavidade da Arte, não é um Sensei nem um Shi-han: é um imbecil. Pode até ter passado a vida “ensinando” Jiu-jitsu, mas na realidade não conseguiu aprender nada! Acabou morrendo na praia. Esta dica serve de alerta para muitos principiantes, que buscam, apenas, vencer uma briga no lusco-fusco de uma danceteria da moda. Não é preciso quebrar o pescoço de um desafeto para provar que se pode vencê-lo; é necessário, apenas, saber que se pode vencê-lo.
Nas entrelinhas do treinamento, o professor deve deixar o Jiu-jitsu trabalhar a energia interior de seus discípulos; evitar que usem demasiadamente a força bruta; desenvolver no espírito deles o espírito da Arte Suave; promover neles o melhor equilíbrio entre razão e emoção. Le coeur a des raisons que la raison elle-mêmme ne connait pas: o velho filósofo francês dizia que o coração tem razões que a própria razão desconhece. Para um praticante verdadeiramente bem desenvolvido em Jiu-jitsu, esse desconhecimento será o menor possível.
Saber dominar e controlar seu corpo e sua mente é o objetivo final do iniciado em Jiu-jitsu. A luta é apenas uma parte integrante do caminho que leva a esse objetivo, porque quem possui a morte nas mãos deve possuir, também, a responsabilidade e a coerência daí decorrentes. Boa parte da Sabedoria está em poder distinguir o todo da parte e a parte da meta. Quem não consegui-lo, jamais será um verdadeiro sensei.
Por melhor que seja, não se pode condensar a filosofia do Jiu-jitsu numa única públicação. A filosofia só pode ser transmitida pessoalmente, aos poucos através dos anos, com a vivência e a convivência entre professores e alunos. Formar um lutador é fácil, a dificuldade consiste em formar um discípulo. Eu mesmo já formei muitos lutadores, ótimos lutadores, mas meus discípulos se contam com os dedos de uma só mão. Meus alunos poderão até levar avante a minha técnica, porém, somente meus discípulos conseguirão imortalizar minha memória, junto com a filosofia, o conhecimento e os segredos que herdei de Américo e de Loanza (*).
E assim será com todos os outros professores que ensinam o verdadeiro Jiu-jitsu.
por Prof. Paulo Roberto Pirondi
Faixa Coral 8º grau de Jiu-jitsu.
(*) – Américo e Loanza são, respectivamente, o pai e o professor de Paulo Pirondi.
Gostei muito de ler esse texto.
Tenho 60 anos e vivi os anos de terror dos pitboys do jiu jitsu que agrediam as pessoas por prazer, faltava formação emocional.
Durante anos associei, erradamente, artes marciais com violência, garotões marrentos etc.
É com entusiamo que li este texto.
Marcelo Freire